O UNIVERSO ESTÁ-SE NAS TINTAS PARA NÓS

05-11-2023

Desenganem-se aqueles que julgam que o universo nos envia sinais e mensagens e mais não sei o quê.
É uma ideia falsa, na opinião modesta de alguém que, como eu, não alcança mundos etéreos. E, se profere afirmações que parecem peremptórias e arrogantes, quero dizer que não o são - são apenas meras opiniões, nem mais nem menos válidas do que todas as outras.
"Sinto que o universo está a querer dizer-me algo", "O que precisamos é de saúde e paz, o resto o universo traz" e "é o universo a mostrar-me que estou no caminho certo" são apenas algumas das frases que traduzem aquela ideia.
Mas, quando digo que o universo se está nas tintas, na verdade não é bem assim. Porquê? Porque ele, o universo, não está nem deixa de estar. Apenas é.
O universo não pensa, não deseja, não tem intenções nem preocupações. Limita-se a existir, protagonizando movimentos que, podendo parecer-nos harmoniosos, só o são no nosso querer, na nossa necessidade de harmonia.
O universo segue o seu curso inexorável, indiferente (digamos assim) às nossas necessidades. Nós, humanos, somos tão importantes para o universo como um grãozito de areia de uma qualquer praia do algarve é para as ondas do oceano Atlântico. Somos tão importantes como uma qualquer gota de água perdida na imensidão do Pacífico. Somos, em suma, uma insignificante partícula de pó no nosso sistema solar.
Os estudiosos da Astrobiologia acreditam que há vida noutros planetas fora do nosso sistema solar, mas, como não pode deixar de ser, não só não têm a certeza como não fazem a mais pequena ideia que forma e características teria essa vida. Quanto a haver vida e, a certo ponto da evolução, terem surgido seres parecidos connosco, a possibilidade será ainda mais remota.
Então, porquê esta arrogância, esta ridícula ilusão de sermos assim tão importantes para o universo?
Na minha opinião, essa vã glória não é mais do que um truque (no qual embarcamos sem nos apercebermos que é de um truque que se trata) destinado a ludibriar a nossa angústia.
É de uma angústia existencial que se trata, a que afeta a humanidade como um todo. Vendo-nos assim, como espécie, estamos como se cada um de nós vivesse num espaço estranho e inóspito, um terreno estéril e deserto, sem vizinhos, sem qualquer forma de vida que nos fizesse companhia, na maior e mais desesperada das solidões.
Para tornar esta ideia mais clara, não seria necessário afastarmo-nos muito da Terra. José Saramago disse que é preciso sair da ilha para ver a ilha. Nesse sentido, bastaria apenas refletirmos sobre o testemunho de William Shatner, um testemunho pungente, como poderemos ver.
Em Outubro de 2021 o ator William Shatner, que se tornou conhecido como Capitão Kirk, da série Star Trek, foi pela primeira vez ao espaço. Até essa altura, tudo se desenrolava em estúdios de filmagens, com os pés bem assentes na Terra.
A viagem suborbital (a 100 km de altura) realizada pela Blue Origin, a empresa de Jeff Bezos, não durou mais de dez minutos, mas esse tempo foi o suficiente para o ator, que já tinha 90 anos, ter vivido uma das experiências mais intensas da sua vida. Ele pensava que a viagem e a experiência iriam ser fascinantes. Mas não foi isso que aconteceu:  

Eu estava absolutamente errado. O sentimento mais forte, que, de longe, dominou tudo o resto foi o luto mais profundo que já vivi.
Entendi, da forma mais clara possível, que estávamos vivendo num minúsculo oásis de vida, rodeados de uma imensidão de morte. Eu não vi infinitas possibilidades de mundos para explorar, de aventuras para ter, ou criaturas vivas para me conectar. Eu vi a escuridão mais profunda que alguma vez poderia ter imaginado, contrastando tão fortemente com o calor acolhedor do nosso carinhoso planeta natal.
Este foi um despertar imensamente poderoso para mim. Isso encheu-me de tristeza. Percebi que tínhamos passado décadas, se não séculos, obcecados em olhar para o lado, em olhar para fora. Fiz a minha parte na popularização da ideia de que o espaço era a fronteira final. Mas tive de chegar ao espaço para entender que a Terra é e continuará a ser a nossa única casa. E que temos estado a devasta-la implacavelmente, tornando-a inabitável.