A NOSSA NATUREZA ANIMAL

10-01-2024

Somos descendentes do "macaco", isso é certo. Mas, de qual macaco? De todos os que existem, os mais parecidos connosco são os chimpanzés. Não são os gorilas, nem os orangotangos. Bastaria uma simples visita ao jardim zoológico para o comprovarmos.
Ainda assim, em rigor, não somos descendentes de um macaco, mas de um símio. A diferença é importante. Vejamos. Do grupo dos primatas Antropóides (palavra de origem grega, que se refere aos primatas que têm uma forma semelhante ao Homem), fazem parte os macacos (monkeys) e os símios (apes).
Uma particularidade que os distingue dos símios é o facto de terem cauda.
Quando falamos em macacos propriamente ditos referimo-nos, portanto a este conjunto de primatas.
Os símios, por sua vez, têm nos gibões, nos orangotangos, nos gorilas e nos chimpanzés os seus atuais representantes. Tal como nós, que também somos símios. 
Mas não é dos chimpanzés que descendemos pois, se assim fosse, eles já não existiriam (ter-se-iam transformado em nós). Estará mais certo dizermos que nós, seres humanos, e os chimpanzés somos ambos descendentes desse símio. É como se fôssemos irmãos. É essa a nossa relação. 
Esse antepassado comum não era um único indivíduo, evidentemente, mas uma população de símios que vivia em África. O local exato não é conhecido, mas não deve ter sido longe da parte oriental da África subsariana, numa região que atualmente é ocupada pela Etiópia, Quénia e Tanzânia.
Toda essa zona, na altura uma floresta tropical, terá sido separada em duas pela ação de uma série de fenómenos geológicos, provocando uma separação naquela população de símios, num processo que, segundo se estima, ocorreu num período estimado entre há cinco e sete milhões de anos. 
Uma hipótese provável admite que a parte da população que permaneceu na zona oeste, a qual manteve as suas características de floresta tropical, evoluiu, através de espécies intermédias, para os atuais chimpanzés. A outra parte, relegada para a zona a leste, evoluiu, através de espécies intermédias, para os humanos atuais.
Uma das linhas evolutivas que resultou da separação do nosso ancestral comum foi a que acabou por originar os atuais chimpanzés. Não conhecemos as espécies intermédias, mas sabemos que há cerca de dois milhões de anos deu-se uma separação que originou as duas espécies que ainda existem.
Uma delas é o chimpanzé comum, conhecido desde o século XVII, enquanto a outra, chamado bonobo, só se tornou conhecida em 1925. O facto de o chimpanzé partilhar com o gorila o habitat a norte do rio Congo e o bonobo ter permanecido na floresta tropical a sul, na margem esquerda do mesmo rio, contribuiu certamente para se terem tornado diferentes.
Takayoshi Kano, o maior especialista em bonobos selvagens, afirmou que, como os bonobos nunca deixaram a floresta tropical, e os chimpanzés o fizeram em parte, eles devem ter encontrado menos pressões para mudar e, portanto, talvez se assemelhem mais ao tal ancestral comum. Talvez ele possuísse características de ambos e cada um tenha herdado uma parte diferente. Não sabemos. Sabemos, isso sim, que os dois são muito diferentes. E que nós possuímos características de ambos.
Os chimpanzés têm a cabeça grande, o pescoço grosso e os ombros largos, enquanto os bonobos são mais elegantes, têm o corpo mais esguio, os membros inferiores mais longos e a sua cara é mais graciosa: mais achatada, de lábios rosados e com o cabelo preto de risco ao meio.
Os chimpanzés vivem numa sociedade mais hierarquizada, dominada pelos machos, e recorrem mais à violência para conquistar o poder. Caçam macacos, esmagam-lhes o crânio e comem-nos, acontecendo até, por vezes, matarem recém-nascidos da sua própria espécie.
Nestes aspetos, os bonobos são muito diferentes. Embora não se furtem à luta, são geralmente pacíficos. Quase não caçam porque não precisam, já que, ao contrário dos seus irmãos, nunca se viram forçados a abandonar a floresta. Precisamente por isso, estão mais à vontade nas árvores. Saltam e pulam de galho em galho, balançam-se como ginastas e, quais acrobatas, são capazes de andar em pé sobre os galhos. Talvez por isso sejam capazes de caminhar, e fazem-no de forma mais graciosa do que os chimpanzés.

Quando são surpreendidos nos seus habitats por cientistas que os investigam no terreno, os chimpanzés descem imediatamente das árvores e fogem correndo pelo chão, ao passo que os bonobos fogem pelas copas das árvores.
As sociedades dos bonobos são dominadas pelas fêmeas. Os machos permanecem no grupo onde nasceram, desfrutando da companhia e proteção da mãe. Machos com mães influentes ascendem mais facilmente na hierarquia.
Uma outra particularidade curiosa é a sua vida sexual. Desenvolvem uma intensa e muito frequente atividade sexual, geralmente heterossexual, mas também homossexual, e muitas vezes fazem-no face a face, como os humanos. A maior parte dos conflitos e questões de poder como a distribuição dos recursos alimentares são resolvidas com sexo. São um eloquente exemplo de harmonia social precisamente porque as tensões básicas permanecem visíveis.
A voz dos bonobos adultos é tão aguda como a dos chimpanzés infantis, fazendo deles, tal como acontece connosco, animais com ar mais juvenil. Mantêm-se brincalhões toda a vida.
Mesmo que a natureza dos chimpanzés seja mais violenta e a dos bonobos mais pacífica, aqueles também resolvem conflitos e estes também competem.
Embora os bonobos sejam muito mais empáticos, os chimpanzés e outros grandes primatas como os gorilas por vezes também o são.
Nós, humanos, conseguimos ser mais brutais e violentos do que os chimpanzés. Só no século XX já matamos, em guerras, genocídios e opressões políticas, mais de 160 milhões de humanos como nós. Ao mesmo tempo, somos mais empáticos do que os bonobos.
Partilhamos com os chimpanzés não só quase 99 % de DNA como, precisamente por causa disso, muitas características morfológicas e comportamentais. Não porque descendamos deles, como já vimos, mas porque tivemos um ancestral comum.
Aquilo que nós, seres humanos, somos resulta do que herdámos e do que fizemos com isso. Cada exemplar da nossa espécie possui características herdadas dos pais e outras construídas por si próprio, em função de todas as experiências que vai vivendo ao longo da vida.
Temos então a situação de uma parte do que somos ter sido herdada do tal ancestral comum. Que parte é essa?
De uma forma direta nunca poderemos vir a sabê-lo. Os nossos ancestrais já morreram há muito, e mesmo os métodos indiretos como o estudo dos fósseis dão-nos uma resposta apenas parcelar. A única forma de termos acesso a uma resposta será através do estudo dos nossos parentes mais próximos que ainda estão vivos, os chimpanzés, porque também eles receberam uma herança do nosso antepassado comum.
Temos, portanto, características de um e de outro. E somos muito mais parecidos com eles do que gostaríamos.
Talvez então seja essa a característica principal da nossa natureza: somos seres contraditórios porque vivemos em conflito interno entre o que herdámos e o que construímos. O que construímos e temos desenvolvido é uma cultura rica e sofisticada, e transcendemo-nos através dela. 
Mas continuamos a ser símios. Este facto não deveria ser motivo de negação ou de vergonha (a humildade é, na minha opinião, uma das qualidades mais nobres que podemos possuir).
Denominamo-nos Homo sapiens, que significa homens sábios. Somos sábios, de facto, mas, evidentemente, temos muitos defeitos. E o que a expressão também significa é que pertencemos ao género Homo e à espécie sapiens. Como nós, já houve pelo menos dez espécies de humanos conhecidas (pertencerem a este género, são todos humanos), três quais coexistiram com nós, sendo os mais conhecidos os neandertais.
De tudo isto, creio que o mais relevante é que temos uma dívida de gratidão para com todos os nossos antepassados e temos todas as razões para nos sentirmos orgulhosos das nossas origens.


BIBLIOGRAFIA

JOÃO CARLOS MELO (2019) - Nascemos frágeis e recebemos ordens para sermos fortes um olhar sobre o narcisismo e a autoestima. Bertrand Editora. Lisboa. 2019.