A DOENÇA MALDITA

15-11-2023

Não, não é a Esquizofrenia nem a Doença Bipolar. É tão ou mais grave do que estas, é a doença psiquiátrica com pior prognóstico (para alguns autores é considerada incurável) e estima-se que leve à morte por suicídio em 30 a 70 % dos casos.
As pessoas que tiveram a desventura de serem afetadas por ela sofrem desalmadamente, mas em silêncio. E, na maioria dos casos por medo, fogem, recusam tratamento e vivem como foragidos.
A doença tem o nome de Perturbação Factícia ("factício" quer dizer "artificial"), mas também é conhecida como Síndrome de Munchausen.
As suas principais características (de acordo com as classificações atuais) são as seguintes: Falsificação de sinais ou de sintomas físicos ou psicológicos, ou indução de lesão ou doença, associada a um engano identificado; o indivíduo apresenta-se perante os outros como doente, incapacitado ou lesionado; e o comportamento de engano é evidente, mesmo na ausência de ganhos externos óbvios. Os comportamentos factícios, isto é, os meios que estas pessoas usam para convencer as outras pessoas que têm um problema médico, que pode ser uma doença, uma lesão ou uma deficiência ou incapacidade, são variados. E, para as convencer, mentem-lhes e enganam-nas.
Os principais são: exagerar as queixas; queixar-se de sintomas inexistentes; falsificar sinais, como conspurcar a urina para simular uma infeção ou falsificar os resultados de algumas análises laboratoriais ou os relatórios de exames complementares de diagnóstico; queixar-se de sintomas característicos de doenças graves, como cancros e doenças autoimunes, que não têm (depois de terem estudado as alterações que definem essas doenças); deixar uma doença real evoluir e agravar-se e só depois ir ao médico, para serem mais pormenorizadamente e demoradamente estudados e tratados, para que os médicos fiquem mais preocupados; agravar sintomas, como conspurcar feridas com sujidade; induzir em si próprios sinais e sintomas, como febre por injetar produtos infetados, hipoglicémia por injetar insulina, anemia por retirar sangue de si próprios com uma seringa, diarreia crónica por ingerir laxantes, produzir hemorragias por ingerir anticoagulantes.

Tal como acontece com todas as doenças, os graus de severidade são variados, desde os casos mais leves, apenas com algumas características, até aos mais graves. A título de exemplo, apresento brevemente alguns casos radicais que mostram até onde é que a doença pode levar. Cindy Buckshon estudou detalhadamente a epilepsia (uma das muitas doenças que simulou) e encenava crises que, para se tornarem mais realistas, caía desamparada no chão, provocando por diversas vezes fraturas dos ossos próprios do nariz e traumatismos cranianos.
Wendy Scott, ao longo de 12 anos, foi atendida em mais de 600 hospitais e submetida a 42 intervenções cirúrgicas ao abdómen, praticamente todas sem qualquer necessidade. William McIlroy fez 400 operações em 100 hospitais diferentes. Falecido em 1983, aos 74 anos, entrou para o Guinness como o caso mais extremo da doença.
E Kelly Ronahan, que dançava ballet e se tornou uma estrela nas redes sociais, a dada altura das suas mensagens transmitiu aos fãs, de forma consternada, que lhe tinha sido diagnosticada uma doença rara que requeria transfusões de sangue e pediu-lhes donativos para as mesmas. Chocados com a notícia, e numa atitude solidária e compassiva, os fãs acederam aos seus pedidos e, num período de menos de dois anos, recebeu 95 litros de sangue. Entretanto, foi "apanhada" e, perante a indignação dos fãs, simulou outras doenças e provocou lesões nas pernas, infetando-as posteriormente, num processo imparável de autodestruição que terminou na amputação de ambas as pernas.
Entretanto, perdeu-se-lhe o rasto e ninguém sabe se atualmente está viva ou morta.

Ora, perante comportamentos tão desconcertantes e aparentemente desprovidos de sentido, a pergunta que surge é esta: porquê?
Tem sido muito difícil responder a esta questão porque as pessoas, na sua esmagadora maioria, não admitem que têm a doença. Mas, nos raríssimos casos em que isso acontece, o que dizem é que a principal motivação é a satisfação da necessidade profunda de serem cuidadas pelos médicos. Sentindo um desamparo e um vazio insuportáveis perante um mundo ameaçador e hostil, no qual se sentem estranhas, os únicos locais e situações que apaziguam aquele sofrimento é nos hospitais, a serem cuidadas pelos médicos. Só assim se sentem seguras, protegidas, amparadas e com a garantia de que, enquanto estiverem "doentes", não serão abandonadas, porque a angústia de separação e de abandono são avassaladoras.
O problema - e este é um dos aspetos dramáticos desta doença - é o seguinte: se, de início, os comportamentos factícios têm a função a que fiz referência, com a evolução da doença, deixam de ter aquela função e tornam-se compulsivos. Como um toxicodependente que começa a consumir uma droga para obter determinados efeitos e depois fica viciado, estes comportamentos tornam-se um vício, com sintomas de privação (ansiedade, angústia, irritabilidade, sofrimento), que só acalmam depois de os levar a cabo, num círculo vicioso que vai agravando a doença e destruindo a vida da pessoa.

Não há nenhum tratamento preconizado, nem farmacológico nem psicológico, pelo que, nos raríssimos casos em que aceitam serem tratadas, só uma dedicação compassiva, determinada e paciente, com o estabelecimento gradual de uma aliança terapêutica, as poderá ajudar.
Este ponto é da maior importância. Com a coragem de pedir ajuda e enfrentar o sacrifício de renunciar à compulsão dos comportamentos factícios e com o empenho por parte do terapeuta, podemos acreditar numa recuperação plena de uma doença que, para muitos, é incurável. Os casos em que isso aconteceu são raríssimos em todo o mundo, mas são reais.   

Poderá ver uma entrevista sobre este tema:
https://www.youtube.com/watch?v=ctiAvEjdf_g